PLÁGIO EQUATORIAL II

Ainda acerca das atribulações de Miguel Sousa Tavares em volta do alegado plágio de que é acusado, surge via Macroscópio a defesa do escritor que não é outra coisa senão o seu desagrado face à blogosfera. Os “bold” vêm no conjunto, copy-paste do blog de origem e da responsabilidade de Rui Paula de Matos. Deixo-os ficar pois parecem-me bem colocados.

Vamos lê-lo, todos juntos, passo a passo:

Excepção feita ao correio electrónico e à consulta de «sites» informativos, a Internet interessa-me zero. Todo esse universo dos «chats» e dos blogues não apenas me é absolutamente estranho como ainda o acho, paradoxalmente, uma preocupante manifestação de um processo de dessocialização e de sedentarização das solidões para que o mundo de hoje parece caminhar. Saber que nesses ‘sítios’ imateriais é possível fazer praticamente tudo, desde arranjar parceiros amorosos até recrutar terroristas para a Al-Qaeda, não é, a meu ver, um progresso ou facilidade, mas uma espécie de impotência, de desistência de viver a vida como ela é.

Pois aqui começa a estranha concepção que MST faz deste media. Para além de a “internet lhe interessar zero”, coisa própria de quem se limita às opiniões formais e aceites como “oficiais”, o MST faz a confusão própria de quem, como ele próprio afirma, estranha completamente o assunto: Blogs são uma coisa e chats são outra. Embora por vezes se confundam no resultado, têm objectivos diferentes aquando a sua criação.

Não compreendo também que MST venha falar em processos de dessocialização e de sedentarização das solidões. A não ser que ache que escrever uma “carta aberta” no Expresso seja mais interactivo que publicá-la num blog.

Sabe, MST, na blogosfera é mesmo possível fazer de tudo [ou quase], desde arranjar parceiros amorosos a recrutar terroristas. É essa a maravilhosa coisa da blogosfera. É isso que o assusta. Mas habitue-se.

Tenho lido muitas opiniões contrárias, de gente que acredita que os blogues e toda essa conversa «in absencia» são uma forma moderna de democracia de massas, directa e instantânea, como nunca houve: uma espécie de «speaker’s corner» planetário. Mas discordo: não penso que a qualidade da democracia se meça pela quantidade de envolvidos e, menos ainda, pela irresponsabilidade. Não há liberdade de expressão onde existe impunidade do discurso. E se no «speaker’s corner» fala quem quer, também é verdade que quem fala tem o rosto a descoberto, pode ser convidado pelos circunstantes a identificar-se e pode, sobretudo, ser confrontado e contraditado por estes – enquanto na maioria dos blogues o anonimato é regra, santo e senha.

Tem lido. O ler opiniões é bonito. Mais bonito ainda é discutí-las e isso não é possível a não ser numa conversa cara a cara… ou via internet. Conversa in absencia é o que MST pratica. Faz sermões aos peixes e não concede o direito de resposta pública e aberta à consulta.

É na realidade um speaker’s corner, mau grado o anonimato. Também concordo consigo quando diz que não há liberdade de expressão sem impunidade do discurso. Já discordo quando diz que o anonimato é regra, santo e senha e que isso impede o confronto de ideias.

Desde a mais remota literatura e jornalismo que o pseudónimo é utilizado. Nunca foi criticado como tal. Não compreendo, pois, a sua animosidade contra o anonimato que, bem vistas as coisas, o não é. O que existe são pseudónimos de pessoas que, não estando presentes, têm um IP, uma espécie de bilhete de identidade. Para além disso repare: você podia ter confrontado os autores do blog. Tanto quanto vi, a caixa de comentários está aberta. Mas não. O MST resolveu andar a choramingar pelos cantos e, dono da razão, da mesma razão que o faz andar a pregar os benefícios do tabaco e da caça desportiva, mandar umas bocas para o terreiro… de um speaker’s corner com um palanque elevado demais para admitir resposta, ali, live on stage.

Mas não há nada melhor para confirmar ou desmentir uma teoria do que experimentar-lhe os efeitos. No meu caso pessoal, as experiências que conheço têm sido eloquentes: por duas vezes me foram atribuídos na Net e postos a circular textos que não tinha escrito e cujo conteúdo repudiava veementemente; o mais longe que consegui desfazer a falsificação foi o círculo de amigos que me falaram no assunto. De outra vez, deram-me a conhecer a existência de um blogue onde um autor anónimo se dedicara a fazer a minha biografia, acrescentada posteriormente por toda uma série de contribuições igualmente anónimas: eram 27 páginas de conteúdo (!), mas bastou-me ler as duas primeiras para desligar, enojado com a capacidade de invenção, difamação grave e cobardia que aquilo revelava. Esta semana, enfim, estava-me reservada mais uma experiência do género.

Talvez esteja na altura de experimentar esta caixa de pandora, a tal dos blogs. Olhe, digo-lhe que seria, desde logo, um êxito. Faça um blog, homem. Faça um blog!

Um qualquer tipo dera-se ao trabalho de pegar num romance meu, manipulá-lo devidamente (por exemplo, pegando num início de frase e acrescentando-lhe outro situado 12 páginas adiante), para afirmar, sem estremecer, que todo o meu livro era um plágio do outro, “uma fraude sem pudor”. Uma hora depois de este blogue ter nascido, exclusivamente dedicado a acusar-me de plágio, um jornal telefonava-me para casa a pedir um comentário à “acusação”. Primeiro, pensei que estavam a brincar, depois percebi que levavam a coisa a sério e tentei mostrar o absurdo daquilo: o meu livro era um romance histórico, em que os personagens principais eram todos ficcionados, assim como a história, o outro era um livro de história, um relato jornalístico do mandato do último vice-rei inglês da Índia, em que os personagens eram o Mountbatten, o Nehru, o Ghandi, o Jidah; o meu livro situava-se em 1905, em São Tomé, o outro em 1949, na Índia; o meu tratava da escravatura nas roças de cacau de São Tomé, a par de uma trama amorosa, o outro tratava da independência da Índia; enfim, como se perceberia, simplesmente, lendo-os, tanto a construção narrativa como a escrita eram obviamente diferentes, tratando-se de géneros literários totalmente diferentes.

E isso é muito mau, a verificar-se verdade. Mas neste momento, quem é o detentor da verdade? Quem está a discutir, quem deixa a discussão aberta? O problema é que os tais autores do outro livro estão on-line e com o blog aberto. O MST deixa cartas escritas, cola cartazes e que mais? Nada.

Mas o autor do blogue revelava-se um profissional da manipulação: ele pegava em excertos afastados entre si da versão inglesa do outro livro, colava-os como se fossem uma só frase, comparando-os então com outras frases minhas a que chamava “tradução” e que um jornal dizia serem “frases inteiras iguais”. Mas iguais eram apenas os factos nelas contidos: os dados biográficos de quatro marajás da Índia. Ora, como tentei explicar, qualquer pessoa percebe que um romance histórico ou um livro de história, quando chega aos factos reais, tem de recorrer a fontes, que são outros livros ou documentos preexistentes.

De outro modo, não os tendo vivido, ao autor só restaria inventá-los ou distorcê-los, para não ser considerado plagiador: eu deveria então ter trocado os nomes ou os dados biográficos dos marajás que convoquei, assim como os do senhor D. Carlos ou de outros personagens históricos que entram no meu romance. Em vez disso, limitei-me a fazer uma coisa que nem sequer é habitual neste género literário: identifiquei as fontes a que recorri, entre as quais o tal livro que o anónimo da Net me acusava de ter copiado – ou seja, deixei as pistas todas para ser ‘apanhado’.

Porém, o meu Torquemada concluiu ao contrário: se eu citava 29 livros como elementos “de consulta do autor” e se ele, recorrendo apenas a um deles, encontrara semelhanças com duas páginas das 518 do meu livro, era caso para “esfregar as mãos de contentamento, partindo à descoberta de mais algumas pérolas da exploração do trabalho alheio”.

Pelo contrário. Não acho que o autor do blog seja um profissional da manipulação. Até o acho bastante amador.

Nós sabemos como as coisas se fazem, sabemos que já ninguém inventa nada. Também sabemos que a única coisa a fazer neste caso é responder à letra, no seu caso, e ler ambos os livros, no nosso.

Depois, o que você faz no seu livro, a identificação das fontes, já reparou, é o mesmo que por aqui se faz? Eu identifiquei o Macroscópio. Mas nem por isso deixei de copiar este artigo [que é seu] e publicá-lo por aqui. E eu, que sou Carlos José Teixeira, natural de Matosinhos, colheita de 1965, cometi plágio ou não?

Mas isso é outra história.

Infelizmente, ninguém se deu a esse trabalho ou menos até. Debalde, tentei explicar ao enxame de jornalistas que imediatamente me caiu em cima que o simples facto de darem eco àquele blogue anónimo, sem verificarem previamente o fundamento da acusação gravíssima que me era feita, equivalia a transformar uma mentira privada, ditada pelo despeito e inveja, numa calúnia produzida à vista de milhares. Com esta agravante decisiva: o único meio de que disponho para defender eficazmente a minha honra e o meu trabalho, que é o tribunal, está-me vedado, pois não sei de quem me queixar e quem fazer condenar como caluniador. Não sendo esta a regra, como poderá alguém, por exemplo, defender-se convincentemente de um blogue anónimo que o acuse de pedofilia, tráfico de drogas ou qualquer outra coisa abominável?

Tentei explicar que, perante isto, não bastava reproduzirem a acusação e ouvirem a minha defesa. Era pelo menos necessário que lessem os dois livros e percebessem que tudo aquilo era absurdo e que a aposta deste manipulador anónimo era justamente a de que os jornalistas não se dessem a incómodos.

Foi tudo em vão, claro. Responderam-me que o outro livro não estava disponível em Portugal e que, “face à gravidade da acusação” (justamente…), não se podia ignorar o assunto, pois, como me explicou sabiamente um jornalista eufórico, “a bola de neve está a correr e é imparável”. E correu. E foi. Dos tablóides ao respeitável ‘Público’ – onde, confessando-me não ter conseguido obter o livro supostamente plagiado (e, se calhar, sem sequer ter lido o meu…), uma jornalista escreveu, preto no branco: “Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais”. E, assim, com esta ligeireza, se suja a honra de uma pessoa e se enxovalham anos e anos a fio de trabalho, esforço e imaginação.

Leia acerca do direito existente [que é já muito] e faça a sua queixa em tribunal. Mas prepare-se.

Viu como esteve a desconsiderar prematuramente a importância da blogosfera? É que por cá há de tudo um pouco. à semelhença dos jornais e revistas por onde escreve: desde o mais respeitável jornal ao pasquim mais perverso. É tal e qual o mundo em que se move mas com a hipótese de resposta em tempo real. E você não respondeu em tempo real.

O que já sabia dos blogues confirmei: em grande parte, este é o paraíso do discurso impune, da cobardia mais desenvergonhada, da desforra dos medíocres e dessa tão velha e tão trágica doença portuguesa que é a inveja. Mas fiquei a saber, e não sabia, que os blogues, mesmo anónimos, são uma fonte de informação privilegiada e credível para o nosso jornalismo.

Mas, Miguel Sousa Tavares, você NÃO SABE NADA DE BLOGS. Àquilo que chama covardia, desforra de medíocres e coisas assim, eu chamo AMEAÇA A ÍDOLOS DE PÉS DE BARRO. E esteja preparado: OS BLOGS VÃO SER, CADA VEZ MAIS, UMA FONTE PRIVILEGIADA E CREDÍVEL PARA O JORBALISMO. Não para o seu. Este tem o direito de contraditório garantido por natureza e, no meio de milhões, só os verdadeiramente interessantes se fazem notar.

Os blogs não vivem num país de 800Kms de comprimento, o seu país é bem maior.

Experimente fazer um e veja se consegue o mesmo sucesso que tem tido por aí, no “mundo real”.

[a caixa de comentários está aberta, na esperança fútil de que você venha contestar]


  1. Carlos, este post está perfeito. Como voce bem pode demonstrar, a ignorancia do desconhecido esta por de tras de todos aqueles que tentam impedir uma imprensa libre e democratica. E os blogs mostram esta nova faceta de uma imprensa independente, apesar de ter um campo de atuação um tanto quanto restrito, haja vista o contato com a internet não ser a regra geral.

    Abraços, Guilherme.

  2. Alias, é bom lembrar: ficou muito bonito este novo visual do Weblogger.

  3. Mia

    Nao se deve falar do que nao se conhece, como tal eu nao comento a polémica que envolve o Equador.
    Exemplo que devia ser seguido pelo MST, que desconhecendo a blogosfera, nao devia falar do que nao conhece.
    É verdade, Carlos, ficou bonita a nova pintura da casa.

    beijinho

  4. jbs

    O mais estranho nesta polémica toda, além da impunidade que a fama dá, e que nenhum “anónimo” autor de blog sequer tem hipótese de aspirar, é o desaparecimento consecutivo dos blogs que republicaram a acusação de plágio. É como se a ameaça de “porrada” se fosse efectivando e com a destruição do blog respectivo.

  5. Olá Mia! Resposta tardia, desculpa… mucho trabajo…
    O problema de pessoas como o MST é, a meu ver, “não quererem confusão”. MST apregoa que os blogs são conversas in absencia… mas isso é o que ELE FAZ. Se ele tivesse um blog, bom… tinha que apanhar com gajos como o que nós andamos a aturar agora. Irónico, não? Ser eu a aturar o fulano que o andou a enxovalahr… pôrra…
    Bom… no problemo, como de costume!

    Obrigado pela visita!

  6. Viva jbs. E parabéns pelo Benfica!
    Bom… tem mais explicações lá para cima. A cronologia atabalhoada está num dos posts posteriores. A outra detalhada encontra-a no Apdeites, com mais informação interessante acerca dos mecanismos do hoax. O link está na barra lateral sob a categoria blogosfera.

    Grato pela visita,
    CT




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